terça-feira, 11 de novembro de 2014

INACREDITÁVEL, SÓ VISTO!

 
É sábado, primeiro dia de Novembro; para uns, hoje é dia de Todos-os-Santos; para outros é dia das bruxas; para outros dia de caça, cada um escolhe, livremente, qual a formatação que melhor se adapta ao meio em que cresceu. É, em boa verdade, apenas mais um dia.
Para o meu texto, conta a versão importada do dia das bruxas, uma vez que aquilo que hoje tenho para vos dizer está, de algum modo, relacionado com o fantástico mundo do bruxedo e da fantasia.
Acredito que a maior parte de vocês já tenha ouvido algum conhecido a dizer “já só me falta ver um porco a voar!” depois de presenciar algo de verdadeiramente fora do comum, raro e inimaginável!
Foi precisamente isso, algo de absolutamente inacreditável, que me foi relatado e que terá acontecido em casa dos meus Pais.
Temporariamente forçada a um descanso quase absoluto por uma situação clinica hoje considerada como de rotina, a senhora minha Mãe viu-se na completa dependência do marido para a preparação das necessidades alimentares.
O meu Pai e a cozinha são duas coisas, dois conceitos que se repelem mutuamente excepto quando a fome se instala ou quando o frio aperta e o fogão de lenha exala aquele calor que tão bem sabe.
Ver o homem a cirandar na cozinha é um programa cómico que às vezes pode ser trágico e dou comigo a pensar que ele faz aquilo de propósito para ser proibido de executar certas tarefas (a algum lado terei ido buscar certas manhas…).
Sempre que a minha Mãe lhe pede para desligar o lume do bico do fogão – algo simples, não acham? – a situação torna-se tão volátil e perigosa como viver num território ocupado pelos malucos dos radicais islâmicos.
Receosa que a sua boa saúde pudesse estar em perigo (quantas é que na idade dela não tomam nenhum comprimido pela manhã e só um à noite?!), a minha Mãe pediu-me para eu ir até lá a casa dar-lhe umas aulas de culinária; embora não costume exibir os meus tributos à borla, não pude deixar de atendar ao seu pedido pois até me arrepiava só de imaginar os danos no seu sistema digestivo após ingestão da má comida confeccionada pelo marido.
Incapaz de se manter atento, ou mostrar interesse enquanto eu tentava ensinar-lhe algo básico, como fazer bifes e batatas fritas, tudo fez para que a minha calma fosse para o galheiro. Conseguiu-o ao fim de cinco minutos e eu parti, o coração destroçado por deixar a minha Mãe em tamanhos apuros.
Qual não é o meu espanto, em recente relatório, vi evidência de que o homem terá conseguido cozer batatas, cenouras, cebolas, peixe, e, pasmem, terá até feito um bolo – um bolo senhores! Estou estupefacto, de boca aberta e de queixo caído!
E a minha Mãe ainda respira e até sorri! Pedi-lhe para só comer uma fatia daqui a três dias e, mesmo assim, só depois do cozinheiro o ter experimentado; ela está impaciente, acho que não vai resistir tanto tempo, tenho que ir até lá, vou comprar mais sais de frutos, fazer a mala e ver um porco a voar!
Nota: Crónica publicada na Edição n.º 1229 de 06 de Novembro de 2014

sábado, 18 de outubro de 2014

OS RESISTENTES

CONVÍVIO DOS ANTIGOS ALUNOS DO COLÉGIO "TOMAZ RIBEIRO" - TONDELA
 
Em 04 de Outubro de 2014

SETENTA ANOS DEPOIS...


 

(A propósito do 6.º encontro do “Tomaz Ribeiro”)

Já muitas vezes vos tenho aqui falado da minha velha arca. De vez em quando abro-a, remexo, folheio os papéis amarelecidos, e com as mãos também já envelhecidas faço uma visita ao passado.
Alguns livros por que estudei, lá estão como que a recordar esse tempo distante e diferente – uns sem capa, outros com folhas descoladas, ali dormem misturados com papéis decrépitos, cheios de anotações e de muitas rasuras indiferentes ao correr do tempo e às modernas reformas.
Às vezes, e porque já são tantos, sinto vontade de rasgar alguns, de os queimar... Mas desisto sempre! Eles representam os meus (já poucos) cabelos brancos, as minhas rugas, as veias salientes das minhas mãos que o tempo tingiu de castanho-escuro. Papéis amarelecidos. Retratos desbotados. Pétalas de flores ressequidas. Cartas…
«Velhas cartas…Antigas confidências…
Recordações de tudo que se quis:
Que avivam do passado as ocorrências
E a mocidade quanta coisa diz!...
Velhas cartas… Desfile de sequências…
Devaneios que, outrora, amando, fiz,
Pois o tempo transforma em reticências
Palavra e gesto … o que me fez feliz!
Releio-as uma a uma… Que ansiedade!
Adormecido mundo que desperta,
Que me envolve no manto da saudade.
E, hoje, minha existência é tão deserta,
Que revejo o fulgor da mocidade,
Como se fosse a derradeira oferta.»
 
E são estes papéis sem cor – este amontoado de coisas velhas, essas sebentas rabiscadas, esse “querer” sem “crer” de outrora – que fazem com que, de vez em quando, ao sentir-me perdido e baralhado no meio de todo este turbilhão de loucuras e de incertezas, me fazem subir as escadas, ir ao sótão, abrir a minha velha arca…e sonhar um pouco!
Não sou poeta, mas sou um fervoroso adepto dessa mistura de filosofia e de religiosidade que é a saudade. E as saudades são uma espécie de sonho, uma poesia abstracta... E para mim, esse sonho, se não é poesia, é metade da realidade...

 

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A FESTA DO TANQUE



Como vem sendo hábito, realizou-se na semana passada, - 15,16 e 17 de Agosto de 2014 aqui na mansão do Régulo, a festa anual – a “Festa do Tanque”.
Esta designação começou como uma brincadeira de Verão e transformou-se numa reunião anual de toda a minha tribo.
Este ano, durante três dias, os treze membros que a integram cumpriram o ritual vivendo momentos inesquecíveis, mergulhando, comendo, bebendo e participando em diversos passatempos - jogos de cartas, jogo da malha, Pétanque, Badmínton e outros divertimentos à mistura com o desfiar das contas de vários rosários de recordações.
Foram quatro dias de festança. Os festivaleiros da capital do Sul começaram a chegar na quarta e na quinta, - dia em que um dos membros, o Richie, actuou numa cidade vizinha cumprindo a sua agenda de cantor. Anote-se também, a chegada, à tardinha, de alguns membros residentes na capital do Norte, que vieram também assistir ao concerto. Na sexta-feira já com todos os membros presentes teve lugar o momento alto do encontro com o ritual pantagruélico, do meio-dia, que reuniu à mesma mesa toda a tribo.
Foram sacrificadas quatro palmípedes da família dos anatídeos, mais conhecidos por patos, que foram cortados em pedaços e depositados num recipiente apropriado. Depois de sabiamente temperados com os respectivos ingredientes, em que predominou o jindungo, foram cobertos com óleo extraído da Elaeis guimeensis, vulgarmente designado por óleo de palma, cozinhados em lume brando e servidos conjuntamente com arroz branco e outros. O óleo de palma bruto age como um antioxidante biológico e protege o organismo contra várias doenças entre elas a arteriosclerose, mas apesar disso, e contrariamente aos antibióticos, não impede a ingestão de álcool... Daí que nessa refeição houvesse grande abundância de botelhas!   
No sábado foi o dia dos grelhados em que os elementos masculinos desempenharam o papel principal na confecção da respectiva paparoca.
Uma mesa com aperitivos sólidos e líquidos serviam de apoio aos assadores, que recorriam também, de vez em quando, a um mergulho refrescante devido ao calor que se fazia sentir.
Refeição ao ar livre em ambiente verdadeiramente familiar com educação, boa disposição e descontracção - lídimos predicados dos Costas da Beira!...
No Domingo e já a pensar no fim da festa, no regresso ao trabalho e também (por que não dizê-lo?) acusando já algum cansaço devido aos inevitáveis abusos (tanto de sólidos como de líquidos) as festividades abrandaram de ritmo e começou a debandada comos membros do Norte a deixar o condado. Na segunda foram os do Sul que abalaram em direcção à Capital do rectângulo.
Na segunda-feira ao meio-dia éramos apenas 4 – nós, a Susana e o Manel, que ficaram para passar mais alguns dias.
Chega de palavras e o álbum de fotografias basta para explicar melhor esses dias de muita alegria, boa disposição e convívio familiar que vivemos todos juntos. 
     
 

domingo, 11 de maio de 2014

A MINHA ALDEIA - O TOURIGO


 

A minha crónica da semana passada tinha a ver com factos explicados na reportagem inserida nessa edição acerca da polémica que se instalou na União de Freguesias do Barreiro e Tourigo, mormente com a tentativa de dissuadir o porta-voz do “Movimento Cívico do Tourigo e Pousadas” de se pronunciar na Assembleia da Câmara Municipal.
Não vou entrar em pormenores uma vez que a referida reportagem é bem explícita quanto aos factos que motivaram o diferendo existente.
No entanto, permitam-me que transcreva um pequeno excerto do que escrevi neste Jornal em 09 de Agosto de 2012: «…) Ora sendo a totalidade das Freguesias da mesma cor política (PSD) tal como a Câmara, que detém a maioria, isso não tornaria mais fácil encontrar consenso para propor ao Governo uma solução para o concelho, em vez de receber dele o figurino com o seu corte e costura? A quem cabe a responsabilidade da inacção? Quase apetece perguntar por onde anda a Comissão Política Concelhia que detém as Freguesias? O Povo pode não ter cursos, mesmo esses da era moderna, mas não é burro.»
E agora pergunto: Que razões políticas ou outras motivaram a extinção de uma Freguesia com 600 eleitores e com todos os serviços necessários à sua continuidade? Para quem não sabe, aqui fica um “inventário” desses serviços: uma Igreja Matriz com Salão Paroquial/Casa Mortuária; uma Escola Básica; um Jardim de Infância; uma Oficina de Serralharia e Canalização; uma de Carpintaria; um Salão de Cabeleireiro Unissexo; duas Padarias- a Touricon e a Regional; um Centro Social com Apoio Domiciliário e Centro de Dia; um Centro Cultural e Desportivo com todos os Jogos da Santa Casa; uma Caixa Multibanco; um Centro Cultural nas Pousadas; uma Empresa de venda de leitões assados; uma Farmácia; um Restaurante; um Comércio de Mercearias e outros; um Estabelecimento de Alfaiataria com um Pronto-a-Vestir; três Empresas de Comércio de Madeiras; uma de Materiais de Construção; um Posto de venda de Combustíveis; uma Zona de Lazer com Bar, piscina e pavilhão de eventos; um Campo de futebol de onze; um Polidesportivo, Balneários bem apetrechados; uma Associação Folclórica- AFERT, que tem promovido grandes e importantes eventos com um Rancho e um Grupo de Cavaquinhos; uma Estação de Arte Rupestre no Valeiro da Ferradura…e até um cemitério onde repousam os nossos antepassados e para onde também iremos um dia.
O consenso a que então me referia foi o que está à vista – a extinção pura e simples da Freguesia sem sequer haver qualquer diálogo com as populações. Agora, politicamente, não há culpados. E se alguém reclama o que lhe é devido, ainda tentam impedir que a sua voz seja ouvida publicamente!  
Comemoraram-se há pouco os quarenta anos de Democracia. Mas qual Democracia? A do Povo ou a dos políticos?....
 
 

 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

ONDE ESTAVA NO 25 DE ABRIL DE 1974



No dia 25 de Abril de 1974 estava em Kinshasa e foi à noite, quando participava num jantar de aniversário do Lyons Club no Hotel Intercontinental, que tive conhecimento por intermédio da televisão francesa do que se estava a passar em Portugal.
Comigo, na mesma mesa, estavam vários amigos e entre eles o representante da Embaixada Portuguesa na capital e o Director do Colégio Português de Kinshasa, que logo ao ver as primeiras imagens dos soldados na rua exclamou num tom irónico-sarcástico: Mudaram as moscas!…

Depois a conversa centrou-se nesse acontecimento e posso dizer que de uma maneira geral para todos os presentes e residentes portugueses no Zaire foi uma espécie de alívio dadas as tensas relações que reinavam entre os dois Países motivadas pela guerra na vizinha Angola.

A base da FNLA de Holden Roberto em território zairense, de onde partiam os ataques contra as tropas portuguesas, era também motivo de grande apreensão quanto a possíveis retaliações do Governo zairense para com os portugueses que ali trabalhavam.

No entanto em 1975, aquando da independência de Angola, a fuga dos portugueses que ali residiam, ao passarem pelo Zaire, mostraram-nos aquilo que julgávamos nunca pudesse acontecer. Como ainda me dói recordar esses homens mulheres e crianças, que depois de uma vida inteira foram obrigados a deixar tudo o que construíram, transcrevo um pequeno excerto de um texto da Internet:

“O facto do Governo Português não acautelar ou, pior ainda, não autorizar a transferência dos bens dos portugueses na altura da descolonização foi uma das maiores injustiças, praticadas por quem mandava e a desgraça de tanta gente, que após longos anos de trabalho, caiu sem culpa nem pecado na mais odiosa das misérias, na pobreza extrema, no desespero, muitos na loucura e até na morte. Foi a situação mais injusta e catastrófica que imaginar se possa!

Dum momento para o outro perderem todos os seus haveres sem nada terem contribuído para essa perda. Serem forçados a abandonar o fruto do trabalho árduo no decorrer de longos anos, de canseiras, vigílias, economias feitas à custa de grandes sacrifícios. Deixarem empresas, fazendas, prédios, terrenos, carros, dinheiro, a própria casa com seu recheio, objectos pessoais, roupas, enfim... tudo, (houve pessoas que, se quiseram salvar a vida, regressaram apenas a roupa que traziam vestida.)

Verem-se despojados de quanto haviam adquirido, custa muito a aceitar e, é impossível explicar por palavras a quem o não viveu.”

“Espoliado

Velho e dobrado sobre o cajado, Segue... a esmolar o pão da vida!... -Parece uma virgula mal metida Num parágrafo mal articulado. Foi soldado e comerciante honrado Na Pátria plural que foi concebida D'honra e sangue da Gesta convencida Da justeza do Espaço conquistado Espoliado... Retornado e só... - Torrão de lama a virar em pó!... Perdeu o sol e o Direito do chão... - É trapo da bandeira... e caravelas Chegadas ao cais e arreadas as velas Por ventos de Leste... e Alta traição!...” Campos Almeida

 

 

 

MANHÃ DE 25 DE ABRIL DE 2014


NEVOEIRO

 

“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, define com perfil e ser este fulgor baço da terra que é Portugal a entristecer – brilho sem luz e sem arder, como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere. Ninguém conhece que alma tem, nem o que é mal nem o que é bem. (Que ância distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!”

Fernando Pessoa

NEVOEIRO