quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

LIÇÕES

Participei, como voluntário, e pela segunda vez, na campanha de recolha de alimentos promovida pelo Banco Alimentar Contra a Fome.
É uma experiência enriquecedora. Pude, durante essas horas, confirmar e reforçar a ideia que tinha acerca da generosidade do nosso Povo!
É comovente presenciar alguns casos, e é com um certo incómodo e até com uma espécie de sentimento de vergonha interior que assistimos a gestos de altruísmo de pessoas que não conseguem disfarçar a limitação dos seus recursos, e que nos dão lições de solidariedade partilhando o pouco que têm com aqueles que nada possuem!
É inegável que vivemos momentos complicados. Momentos terríveis. Momentos de incertezas, de angústias, momentos de crise…
Mas, apesar disso, de onde vem esta capacidade de ser solidário, este sentimento de partilha que envolve toda esta gente e a leva a repartir parte dos poucos recursos que tem com os mais necessitados?
O que representará como privação e sacrifício para aquela velhinha o facto de abdicar de uma lata de atum, das três que comprou, e que depositou no carrinho da recolha de donativos?
E que lição tirar do gesto daquele idoso, vergado pelos anos, aparentando uma vivência pouco desafogada, entregando um pacote de arroz, e desculpar-se a seguir, como que culpado de qualquer crime cometido, por não poder dar mais?
São estes e outros exemplos que nos fazem meditar e que nos levam a concluir que, afinal, não somos aquilo que deveríamos ser e que muitas vezes, o nosso altruísmo não passa de um mero gesto de hipocrisia à intenção dos que nos rodeiam.
São estes e outros exemplos que nos mostram que não precisamos de ter muito para dar, e que muitas vezes vivemos apenas para fora, aparentando qualidades e dons que não possuímos.
Quantas vezes, talvez por egoísmo, não demos, não proporcionámos um momento feliz ou não partilhámos um pouco daquilo que nos tinha sobrado?
Não é possível ser feliz quando, ao nosso lado, estão aqueles que o não são. Todos têm direito ao bem e só a felicidade partilhada é fonte de festa e de alegria.
O verdadeiro amor está no facto de dar o que se não tem. E foi isso que muitas vezes me foi mostrado, nesse dia, ao longo das horas em que fazia o meu voluntariado.
Por mais anos que vivamos, a Vida está constantemente a dar-nos ensinamentos e a mostrar-nos que temos sempre muito que aprender.
Quando pensávamos que tudo ou quase tudo sabíamos, ela faz-nos descobrir outras realidades, outros mundos que desconhecíamos e que nos surpreendem!
E daí estes pequenos gestos com grande lições de fraternidade, de entreajuda, de entrega, de partilha e de verdadeiro amor para com o nosso semelhante.
Que belas e marcantes lições dessas gentes de pequenos recursos, talvez de cultura rudimentar, mas de tão grandes corações!








sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

QUE PORTUGAL?!...


Quando, há dias, passeava numa das nossas cidades, fui atraído pelas inscrições multicolores num muro de um prédio que parecia já desabitado.
Aproximei-me mais e, no meio de desenhos pornográficos, de frases obscenas, de "morras" a isto e àquilo, de insinuações injuriosas e partidárias, de elogios e depreciações futebolísticas, duas palavras em letras gordas e pintadas a tinta vermelha, descaradamente, como de uma provocação se tratasse, se destacavam: VIVA PORTUGAL!
Talvez porque nesse dia a minha sensibilidade estivesse mais susceptível, confesso que me senti constrangido perante aquela explosão de patriotismo rodeada de tão nojenta promiscuidade. E então, intimamente, comecei de me interrogar...
Mas que Portugal?!... E qual deles? O verdadeiro, o da "Lei e da Grei" ou o actual, o da balbúrdia, o da sede insaciável dos lucros, o dos interesses individuais, o materialista e o das injustiças? Sim, qual deles?!... O do politicamente correcto ou o do socialmente hipócrita?
É natural que para muitos tal facto não tivesse despertado qualquer sentimento de repulsa.
E é também compreensível que esta onda de contra-civilização que alastra assustadoramente de Norte a Sul lhes pareça normal!...
Sem padrões de referência que lhes permitam fazer comparações, há por aí muito boa gente a pensar que todas essas manifestações e abusos são o complemento directo daquela liberdade que germinou após a revolução dos cravos...
É verdade. Há hoje por aí muitos que continuam a pensar que hoje tudo é permitido, que o baile nunca mais acaba e que o dinheiro para músicos e para fardamentos novos não se esgota!...
Aqui há tempos alguém me acusava de saudosista, velho e rabugento. As tais acusações daqueles que, com horizontes bastante limitados e vista curta, não enxergam para além do umbigo. Feitios!...
No entanto e apesar de os Invernos já serem bastantes, continuo ainda (graças a Deus!) a conhecer bem a diferença entre saudosismo e educação. E também a saber ocupar o meu lugar e distinguir rabugice de pertinência.
Quer isto dizer que sei ainda fazer a destrinça entre os dois Países em que vivemos.
Isto é: entre o País educado, erudito tradicional e respeitador onde parece mal arrotar, e o País dos interesses, das hipocrisias dos novos-ricos, inculto e mal-educado, onde toda a gente se entende mesmo quando arrota...
E foi por isso que aquele VIVA PORTUGAL não me "caiu" bem.





PRIVACIDADES


O que poderá vir a acontecer no futuro, quanto à violação da nossa vida privada?
Computadores, Internet, telemóveis, câmaras de filmar e microfones sofisticados e escondidos – não serão esses "prodígios da ciência" que amanhã poderão fazer com que a nossa intimidade seja posta a nu?!...
Não estará o homem, – cada vez mais preocupado em aperfeiçoar esses objectos de comunicação – a contribuir para que a nossa vida particular sofra as mais infames violações e que no futuro sejamos condenados a uma "transparência" pouco séria e honesta?!
Acho que vale a pena fazer uma pequena meditação!...
É que, com o aperfeiçoamento contínuo desse "aparelhos de espionagem" não restam dúvidas de que, a passos de gigante, começamos a integrar-nos numa nova sociedade – uma sociedade traiçoeira, vivendo em liberdade, mas onde somos permanentemente vigiados por esses "brinquedos" dos quais muitos de nós já não podemos separar-nos.
As fronteiras da vida privada e da confidencialidade são cada vez mais permeáveis à invasão desses "objectos" que, embora identificados, ainda não se sabe até que ponto podem afectar a vida de cada um de nós.
O que é certo é que vivemos numa espécie de casa de vidro, em liberdade vigiada, mas sob o controlo permanente de um olho mágico, que espreita sem sabermos de onde, nem quando.
São as contrapartidas que somos obrigados a pagar em troca das vantagens e do conforto que as novas tecnologias nos proporcionam!
E inebriados com tanta maravilha, quase sem darmos conta, abdicámos de uma grande parte da nossa intimidade e da nossa independência!
Nos restaurantes, nos supermercados nas portagens por onde passamos e onde pagamos com o nosso cartão bancário, ali deixamos registada a nossa passagem, expondo dessa maneira um pouco da nossa privacidade.
Ninguém nos garante que um dia, propositado ou não, esses dados sejam coligidos e as informações obtidas, utilizadas fora do seu verdadeiro contexto...
«A liberdade é impossível numa sociedade que se recusa a aceitar o facto de que cada um de nós age de maneira diferente em privado e em público. Obrigando os cidadãos a viver numa casa de vidro, sem cortinas, as sociedades totalitárias negam a sua intimidade aos seres humanos e transformam-nos em objectos» – como escreve Milan Kundera no seu livro ’A Insustentável Leveza do Ser’.
Um programa que está a ser transmitido por um dos nossos canais televisivos e que é uma versão mais moderna de um outro exibido há anos, dá-nos uma ideia, embora esbatida, do que nos poderá esperar no futuro
Tudo isto me leva a crer que o futuro do homem do século XXI será tecnologicamente civilizado. Mas humanamente bárbaro.





A VIDA


A Vida, no seu mais simples e real significado, é uma história que encerra muitas outras histórias. E a vida de cada um de nós tem as suas.
E, como num livro, os capítulos sucedem-se e a acção desenrola-se aguçando a nossa curiosidade, mas escondendo sempre, de forma ardilosa, o desfecho final!
E felizmente que assim é!...
Alegrias, tristezas, esperanças, fracassos, enganos, desenganos, vaidades e desânimos, são pedaços de romance que desfilam e ladeiam a nossa existência sem, contudo, forneceram qualquer indício quanto ao seu epílogo.
E assim, – uns guiados por essa luz da esperança que é a Fé, outros pelo fascínio do desconhecido que os atrai – lá vamos todos, e cada qual à sua maneira, folheando o livro, página após página, sem nunca sabermos como, nem quando chegamos ao fim...
Os que lêem as minhas crónicas devem admirar-se desta minha insistência neste tema que é a Vida – a passagem por este mundo. Acredito até que muitos possam crer que tal facto se deve à decrepitude, a uma senilidade galopante. Pouco importa. Mas a vida fascina-me apesar de todos os encantos, desencantos, rasteiras e trambolhões, que tive de transpor. E isso talvez por só agora começar a gozá-la em toda a sua plenitude e sem paixões – nas cores, nos odores, nos olhares, nas pessoas, nas coisas e em tudo o que me rodeia!
Como um apaixonado, sofregamente, eu “respiro-a” e tento conservar dentro de mim, por tempo infinito, essa lufada de esperança que me enche a alma.
É sempre difícil, quando fazemos da escrita uma confissão, escondermos o que vai dentro de nós. Ser sensível é uma outra maneira de compartilhar da tristeza dos outros. Fazer o papel da esfinge de pedra que não ri, que não chora, que não se emociona é, em certos momentos, uma outra forma de hipocrisia.
O sentimento é a música do nosso mundo interior que faz parte integrante do nosso eu. Quando exteriorizado com dignidade, sem vergonha e sem fingimentos, ele é, conjuntamente com o pensamento, a expressão da nossa verdade.
E é por isso que eu canto a vida, todas as manhãs, cedo, quando abro a janela do meu quarto e assisto ao espreguiçar do dia. É mais um, murmuro baixinho...
Todos nós dizemos saber que temos de morrer um dia. Mas se dizer que sabemos, é tarefa fácil, convencermo-nos disso e aceitá-lo sem temor e sem reservas... isso é que é mais difícil!
Entretanto e como nada pode parar os ponteiros do relógio da vida, aproveitemo-la da melhor maneira.
E para aqueles que acreditam que há Vida para além da morte, uma das condições essenciais para ter direito a essa dádiva divina, é tentar seguir o caminho certo, que é, como disse o poeta, abrindo aos outros o nosso jardim: oferecer aos outros as flores das nossas capacidades e valores.









ORIGENS

Também assisti ao degradante espectáculo em que se tornou o debate sobre a aprovação do Orçamento. E fiquei triste. E envergonhado. E revoltado… Foi com estes políticos, irresponsáveis, sem educação, sem sentido de Estado, que chegamos a esta triste e vergonhosa situação em que nos encontramos!
Apesar de já ter lido várias versões acerca das nossas origens, eu continuo a acreditar na minha. Isto é, continuo a partilhar aquela que diz que somos descendentes de tribos de homens violentos que se empoleiravam nos cumes dos montes e que soltando grunhidos selvagens corriam à pedrada os intrusos que tentavam apossar-se das suas terras…
Depois, mais afoitos, descemos dos refúgios, aventurámo-nos e, sem medo, à rédea solta, lançámo-nos no desconhecido.
E sobre cascas de noz entrámos mares adentro, enfrentámos ondas alterosas, matámos gigantes marinhos, resistimos a doenças inimagináveis e guiados pelas estrelas continuámos vogando, subindo e descendo, à mercê das correntes e das marés…
Fizemos frente aos mais variados perigos, e diz a lenda, que à falta de mantimentos, fomos até obrigados a comer a sola das sandálias, mas que apesar de tudo isso acabámos sempre por pôr pé em terreno enxuto.
E descobrimos terras que ninguém conhecia. E travámos lutas titânicas. E convertemos ímpios e renegados. E domámos povos selvagens, subornámos régulos, e tornámo-nos os maiores do Mundo!
E fomos ao mesmo tempo mestres na navegação, conquistadores imbatíveis, temidos piratas, heróis consagrados, aventureiros, sonhadores e alguns até conseguiram uma auréola… e chegaram a santos!
Fomos depois evoluindo através dos séculos e de trambolhão em trambolhão, cai aqui, levanta acolá, ora ricos, ora pobres, lá nos aguentámos. Mas depois de tantos tombos e de tantos pecados termos cometido, a justiça divina – que não dorme!... – transformou-nos naquilo que somos hoje – uma espécie de irmandade de hipócritas, de fingidos, de vaidosos, de incompetentes, de mentirosos… e de acomodados – batemos palmas em público ao mandante que veio reinaugurar uns quilómetros de asfalto e depois em casa, rodeados pela família, janelas fechadas, chinelas nos pés, chamamos-lhe os piores nomes….
Dizem as estatísticas que ocupamos os primeiros lugares em pobreza, no consumo de álcool, em acidentes na estrada, na corrupção e em esbanjamento de dinheiros. Bagatelas. Tudo bagatelas!...
Reflictam um pouco no que viram e ouviram neste debate sobre a aprovação do Orçamento e digam lá se não é verdade que somos, de facto, os descendentes de tribos de homens violentos que se empoleiravam nos cumes dos montes e que soltando grunhidos selvagens corriam à pedrada os intrusos que tentavam apossar-se das suas terras…
Só que, agora, em vez de terras, é de tachos que se trata.
























































domingo, 24 de outubro de 2010

ANOS 60 ...O TEMPO NÃO VOLTA PARA TRÁS ...


O meu automóvel Renault Versailles no ano de 1956

Foi nos anos 60, pela primeira vez, que a canção foi concebida por e para jovens. Surge assim um novo mercado que a indústria fonográfica tenta conquistar e que vai ser conseguido através de ídolos como: Bécaud, Johnny, Sylvie, Sheila, Claude François, Christophe, Piaff, que constituíram a continuidade dos anos 50, em que emergiram Brassens, Brel, Aznavour, etc.. Artistas que tinham a idade dos seus fãs.
Guardo ainda alguns discos em vinil que adquiri nesse tempo e que ouço de vez em quando com uma certa nostalgia e ternura!
Se ainda fosse vivo, Bécaud, fazia hoje, dia 24 de Outubro, 83 anos…
(…) Et puis un soir dans mon miroir
Je verrai bien la fin du chemin
Pas une fleur et pas de pleurs
Au moment de l'adieu
Je n'ai vraiment plus rien à faire
Je n'ai vraiment plus rien ...

sábado, 23 de outubro de 2010

VOCÊ É IDOSO OU É VELHO?



Jogando a malha numa tarde quente de Primavera

Muitas pessoas confundem velho com idoso. Mas não é a mesma coisa. Idoso é uma pessoa que tem muita idade, mas que mostra sempre boa disposição. Velho é uma pessoa rezingona, que perdeu a jovialidade, que já não sabe rir.
Por isso, se a idade causa degenerescência das células, a velhice é a causadora da degenerescência do espírito. Daí que concluamos que nem todo o idoso é velho e que há também velhos que nunca foram idosos.
É-se idoso quando se sonha, e velho quando apenas se dorme. É-se idoso, quando ainda há vontade de aprender, e velho quando se pára no tempo. É-se idoso quando se ama, e velho quando temos ciúmes ou sentimentos de posse. Somos idosos quando no nosso calendário vemos as folhas sempre como o “amanhã” e velho quando é o “ontem” que marca o passar dos dias.
Idoso é aquele que teve a felicidade de viver uma vida longa, produtiva, e que adquiriu grande experiência. Ele é uma ponte entre o passado e o presente, assim como o jovem é uma ponte entre o presente e o futuro. O idoso e o jovem estão juntos no presente.
Velho é aquele que carrega muitos Invernos, mas em vez de transmitir experiência aos jovens, transmite pessimismo e desilusão. Para ele não existe ponte entre o passado e o presente. Há, isso sim, um fosso que o separa do presente pelo apego ao passado.
O idoso renova-se a cada dia que começa. O velho vai acabando em cada noite que termina.
O idoso tem sempre os olhos voltados para o horizonte, para o sol nascente, de onde vem a esperança. O velho tem os olhos voltados para os tempos que passaram. O idoso tem planos. O velho tem saudades. O idoso goza a vida, enquanto o velho só pensa na morte.
O idoso está sempre aberto à modernidade, estabelece diálogos com os jovens e procura compreender os novos tempos. O velho pára no tempo, fecha-se, e recusa integrar-se na sociedade.
O idoso trabalha sempre com projectos e esperanças. O tempo passa depressa e a velhice não chega. O velho deixa-se dominar pelo sono e as horas arrastam-se sem sentido. As rugas do idoso são menos profundas porque foram marcadas pelo sorriso. As do velho são feias porque foram vincadas pela amargura
Em resumo: idoso e velho são duas pessoas que até podem ter a mesma idade no bilhete de identidade, mas têm idades bem diferentes no coração.
A vida com as suas fases de infância, de juventude, de maturidade é uma experiência constante. Cada fase tem o seu encanto, a sua doçura, as suas descobertas. E sábio é aquele que desfruta de cada uma dessas fases em plenitude, tirando delas o melhor que elas têm. Devemos aceitar com naturalidade o passar dos anos e aceitar com bom humor as limitações que o tempo nos impõe. Dessa maneira seremos sempre idosos e nunca chegaremos a velhos.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

LISBOA - EMBAIXADA DO ZAIRE 1981

DESILUSÃO



Contrariamente ao costume, desta vez, enchi-me de coragem e paciência e resolvi ver o programa “Prós e Contras” que é transmitido às segundas, no canal que é nosso, que nós pagamos, mas que são eles, os políticos, que o utilizam a seu bel-prazer.
E dei-me a esse frete, porque como eram os três ex-supremos magistrados da nação que iam votar faladura, eu pensei cá p’ra comigo: hoje vou ver que mezinhas é que os três da vida airada vão receitar ao moribundo para que ele saia do coma…
Enganei-me. Todos fizeram o mesmo diagnóstico, consultaram o “patracol” dos remédios e, no fim, a receita foi a mesma: papas de linhaça, uns sinapismos e uns paninhos de água fria para fazer baixarem a febre!
Nenhum deles ousou dar o nome ao vírus causador da doença, salvo o militar que ainda puxou dos galões, mas que logo mudou a pauta e começou a tocar a mesma música dos outros!
Apelos ao diálogo, incitamento ao patriotismo, muito palavreado, mas nenhum foi capaz de denunciar a incompetência, o oportunismos e a falta de honestidade material e moral dos que nos têm governado ultimamente e que puseram o país no estado de degradação em que se encontra.
Posso não perceber nada de política, mas si bem, por experiência própria, que muitas vezes, mesmo trabalhando duramente, não é fácil alcançar o que almejamos. E não é com palavras que lá vamos. É precisos trabalhar, fazer sacrifícios e, ao mesmo tempo, dividir o pão que comemos, (por vezes sem fome) com aqueles que o não têm. E como diz a máxima antiga: o exemplo deve vir de cima. Não do céu, mas deve vir dos mais ricos daqueles que têm mais almoços do que barriga… E isso eu não vi nem ouvi!

sábado, 9 de outubro de 2010

ALVÍSSARAS...



DÃO-SE ALVISSARAS A QUEM SOUBER O NOME E INDIQUE O PARADEIRO DAS DUAS MENINAS DA

FOTO...

Os primórdios do vinho "bio"


Se bem que o vinho biológico só agora esteja a ganhar adeptos, tanto na fabricação como no consumo, os ensaios para a sua produção, no País, tiveram já início nos anos 60-70.
Entre as várias experiências feitas nessa data e como se pode deduzir pela fotografia tirada numa pequena aldeia encostada à região demarcada da Bairrada, já se fazia a pisa das uvas de acordo com as normas exigidas para a obtenção do vinho “bio”.
Quanto a mim, não sou fã do “bio”, gosto mais do vinho a sério e nesse aspecto estou de acordo com o poeta romano Ovídio:
“O vinho predispõe a nossa alma para o amor, se é bebido em doses moderadas e se mantemos alerta os sentidos, sem se embotarem com libações abundantes. O mesmo vento que mantém a chama é capaz de apagá-la; uma ligeira brisa faz subir a chama; uma brisa forte apaga-a. Portanto, das duas, uma: ou nada de embebedar-se ou uma bebedeira de tal ordem que faça esquecer as tuas preocupações amorosas; um estado intermediário é prejudicial.”
Ovídio (A Arte de Amar - Remédios contra o amor)

Último encontro dos ex-alunos do "Tomaz Ribeiro"


É comoção o que sinto
E, aos olhos, traz maresia…
Porque a vida é labirinto
Chegou, tarde, esta alegria.

Volvo, no tempo, o olhar
E tento fugir de mim…
Lá, longe, o principiar…
Mais perto, de nós, o fim.

No caminho percorrido,
Quem foi que não encontrou
Rosas brancas, tristes lírios,
Chagas, espinhos, martírios
Que o Destino semeou?

Se um poeta, por magia,
Desse vida às coisas mortas,
Os que faltam, neste dia,
Entravam por essas portas!...

Tondela 13 de Outubro de 2007
M.C.

RAIZES...




O senhor de barbas é o meu avô Ezequiel, o meu ídolo e o meu companheiro de longas viagens.
Morreu em 1938, com 80 anos, tinha eu 12. Fomos, várias vezes, a pé, daqui até Óvoa, no concelho de Santa Comba Dão, visitar seu filho e meu tio Manuel, que dava aulas naquela localidade. Quando mais tarde ele foi transferido para a sede do concelho, as viagens continuaram e lá íamos os dois, calcorreando montes e vales, muitas vezes aparecendo de surpresa.
Nunca esqueci essas passeatas e estou ainda a ver meu avô, a meio do caminho, sentado num muro, com a bengala entre as pernas, limpando o suor com o seu lenço “Tabaqueiro”.
Para quem não sabe, o lenço “Tabaqueiro” também chamado “Alcobaça”começou a ser fabricado no século XVIII e era usado por camponeses, sendo a cor preferida, a vermelha. A textura e a dimensão nada têm a ver com os lenços de agora, pois tinham várias decorações e o seu cunho não era português, mas, parece, indiano. No começo parece ter começado a ser usado por aqueles que cheiravam “rapé” e servia para limpar o pingo do nariz!... Camilo e Júlio Dantas, nas suas obras, várias vezes se referem a eles.
Há muito que caiu em desuso, mas há dias vi-os no pescoço de um conjunto de elementos de um grupo de concertinas.
Mas voltando ao avô Ezequiel, apesar de todos estes anos passados, conservo dele ternas recordações. Tratava-me sempre por “meu menino”e em conversas com minha avó Umbelina, quando se referia a mim, ele dizia sempre o nosso menino…
Era um exímio contador de anedotas que tinham sempre como pano de fundo o Brasil, onde esteve emigrado alguns anos e de onde regressou com alguns patacos para governar a vida, como dizia.
As suas longas barbas conferiam-lhe um certo “estatuto” e era muito respeitado e ouvido por todos que com ele privavam. Sempre de bom humor, sorriso nos lábios, a hospitalidade era o seu cartão de visita e ai daquele que recusasse o seu convite para beber uma pinga na sua adega… Zangava-se, e fazia com que, mesmo sem sede, as pessoas lhe fizessem a vontade.
Tinha orgulho em dizer que tinha antecedentes judeus e para reforçar esse sentimento apresentava como certificados, o nome, o nariz e até o nome da avó Umbelina, também ela, segundo ele, de descendência judia.
Nunca esqueci o dia 29 de Dezembro de 1938 e o momento em que a sua mão deixou de apertar a minha, e ele partiu…

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

CENTRO SOCIAL IPSS - AGORA


CENTRO sOCIAL - IPSS

CENTRO SOCIAL - IPSS - ANTES...

Centro Social, IPSS - Em construção...

Parodiando "D. Jaime" de Tomaz Ribeiro

Honni soit...

Um dia numerosa cavalgada
Apeia-se ao portão,
Limpa-se da poeira, sobe a escada,
Entra pelo salão,
-O senhor D. Martinho de Aguilar?
- Eu sou - lhe diz o ancião.
- A quem me cabe a honra de falar?
-Justiça de Castela.
- Bem vinda seja ela.
E a Justiça de mim o que deseja?
- Vimos buscar o vosso Zezito
E levar esse maldito
Lá p'ras terras dos etarras.
Vamos cortar-lhe as garras
E pôr fim à lengalenga,
Pois só dessa maneira,
O engenheiro terá emenda!...
Pedimos desculpa ao autor
De ter alterado o poema
E desvirtuado a raiz,
Mas depois da Vila Morena
- E digo-o com muita pena -
Só há pinóquios no País!...

Recordar é viver

Recordam-se vocês do bom tempo de outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando iamos a rir pela existência fora,
Alegres como em junho os bandos de pardais?
C'roava-nos a fronte um diadema d'aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsamina flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!...
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca nais havemos de cantar!...
Guerra Junqueiro "Musa em Férias" da minha Selecta de 1939

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

UMA FÁBULA

Uma fábula do escritor libanês Mikail Naaimé pode ilustrar bem o perigo de seguir os métodos dos outros, por mais nobres que pareçam ser:
- Precisamos de nos libertar da escravidão em que o homem nos mantém – disse um boi aos seus companheiros. Durante anos, escutamos os seres humanos dizendo que a porta da liberdade está manchada com o sangue dos mártires. Vamos descobri-la e entraremos ali com a força dos nossos chifres.
Caminharam durante dias e noites pela estrada, até que viram uma porta toda manchada de sangue.
- Eis a porta da liberdade! - disseram. Sabemos que nossos irmãos foram sacrificados aí...
Um a um, os bois foram entrando. E só lá dentro, quando já era tarde de mais, foi que se deram conta: era a porta do matadouro.
Adaptação de um texto de Paulo Coelho

A MAÇÃ PODRE

A Grécia foi um dos maiores povos da antiguidade. Atenas, era a capital da sabedoria do mundo, mas a certa altura começou a entrar em decadência.
Queixavam-se os habitantes que isso se devia à juventude que com a sua leviandade, a sua insolência e a sua libertinagem, contribuía para o descalabro.
Como era urgente tomar medidas para combater o mal, reuniram-se os notáveis mais velhos e os senadores. Começou então a discussão para encontrar remédio adequado e, passado algum tempo, não conseguiram solução para o caso. - «Não há maneira de suster a corrupção da juventude...» – exclamaram os anciãos.
Então, um dos mais velhos levantou-se, pôs uma maçã podre sobre a mesa e pediu para falar:
- Aquele de entre vós que for capaz de tirar desta maçã podre uma maçã fresca e viçosa, terá descoberto o meio de moralizar a juventude.
- Era escusado usar tal cerimonial para chegares à conclusão a que já tínhamos chegado. - exclamaram os presentes.
- Não é assim! - Respondeu o ancião. - Ora reparai: (abriu a mação e tirou as sementes), acrescentando:
- Eu levo estas sementes para o meu jardim, semeio-as e vereis como desta maçã podre hão-de sair maçãs viçosas. É esta a lição que vos deixo: A juventude está podre? Não desanimeis. Ide às criancinhas – à semente – dai-lhes boa educação e está resolvido o problema...
( Parábola atribuída a um dos filósofos de Atenas)

PALAVRAS DE ONTEM...

«... Vivemos um momento crítico da história do pensamento político e mais simplesmente um momento crítico da história do mundo. Tudo está em crise ou é sujeito a crítica - a moral, a religião, a liberdade dos homens, a organização social, a extensão intervencionista do Estado, os regimes económicos, a própria Nação e as vantagens da sua independência ou da sua integração com outras para a formação de grandes espaços económicos e políticas.
Discute-se na Europa a própria noção da Pátria...»
(Oliveira Salazar, Discursos 1966)

O PREÇO DE UM RICO

(...)"E eu pergunto aos políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, á desmoralização, à infâmia, ignorância, à penúria absoluta, para produzir um rico?... O número de corpos que se têm de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peei, um mineiro, um banqueiro, um granjeiro – seja o que for: Cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis"
Almeida Garrett, in “Viagens na minha terra”

NOVAS OPORTUNIDADES

Algumas das pérolas extraídas de textos

«No começo os indígenas eram muito atrazados mas com o tempo foram-se sifilizando. »
«No tempo colonial a África dependia do café e de outros produtos extremamente vegetarianos. »
«Que entende por globalização? Resposta: Não cei.»
«Meu pai foi passar as férias à Republica do Minicana.»
«O bem star das pessoas depende da melhoração das indiferenças sociais.»
«A Terra é um dos planetas mais conhecidos no mundo.»

O VINHO

O vinho «é a muleta dos velhos, a bengala dos moços, o apisto dos enfermos, as cócegas dos tristes, a esmola dos pobres, o melaço dos marotos, o cachimbo dos pretos, o chocolate dos lacaios, o mimo das damas, o beijo das freiras, a mecha das moças, o borralho dos velhos».
Frei Lucas de St.ª Catarina (1753)

AGUARELAS AFRICANAS

EDMUNDO
Edmundo era incapaz de precisar quando aquela angústia se tinha apossado dele.
Poucos dias antes, numa tarde quente de verão, quando deixara a aldeia onde nascera, sentira-se feliz e uma sensação de alívio parecia ter-lhe enchido a alma.
A partida para ele fora uma libertação. Escorraçado pelo Pai que nem sequer lhe quisera emprestar o dinheiro para a viagem, deixou a velha casa onde nascera sem uma lágrima, apesar de sentir o coração apertado ao ver os olhitos espantados dos irmãos que o viam partir sem compreenderem o que se passava.
Agora, porém aquela angústia...
Seria porque quando desembarcou, viu só negros e nenhum branco à sua espera?...
Fora já há oito dias e aquela sensação peganhenta de angústia e abandono não mais o largara.
No Hotel onde se hospedara, tudo era estranho e quase irreal. Era uma construção em tijolo desnudado, pintado de amarelo-torrado rodeado de plantas que ele nunca vira.
A sala principal, ornada de máscaras indígenas, a que o branco dos muros dava um aspecto lúgubre, lembrara-lhe à chegada uma gravura pré-histórica que vira num livro quando ainda menino.
O quarto, com a cama ao meio envolvida por um mosquiteiro zebrado de manchas amarelas, uma mesa a um canto, um velho lavatório com um jarro amolgado a fazer-lhe companhia, avivava ainda mais a solidão que o invadia.
Os insectos atraídos pela luz, vinham esborrachar-se contra a lâmpada de petróleo e caíam depois no chão zumbindo. Enormes baratas passeavam pelo quarto e bichos desconhecidos, repelentes, surgiam de todos os lados. Já com a luz apagada ele sentia à sua volta esse mundo de bicharada que de vez em quando fazia estremecer a rede de tule...
Os ruídos da noite tropical vinham juntar-se a essa sensação de repugnância e em pesadelos horríveis via-se coberto de toda esse exército de rastejantes imundos. Acordava cansado e encharcado pela transpiração. Depois eram horas intermináveis à espera da claridade da manhã para debaixo do chuveiro acalmar os nervos e a comichão que lhe roía o corpo. O peito coberto de pontos vermelhos e os braços zebrados de sulcos que a dormir fazia com as unhas, aumentavam ainda mais aquele sentimento angustiante e indefinível.
Mais dois dias que teria de esperar até que o primo – que ele não conhecia – o viesse buscar para seguirem então para o lugar onde iria trabalhar.
Sentia necessidade de falar com alguém, de trocar impressões, de fazer perguntas.
V rias vezes tentou meter conversa com outros hóspedes, mas ao ver o desprezo com que o olhavam, acabara sempre por desistir.
Seria impressão sua?..
A primeira pessoa com quem tentou entabular conversa, foi com um homem gordo que não parava de fumar acendendo cigarros uns aos outros. De vez em quando o fumador fazia uma pausa. Acabava a tosse e recomeçava o trabalho interrompido.
Quando lhe perguntou se por ali perto havia seringueiras, o homem olhara-o sem compreender.
-Seringueiras? O que é isso?...
-As árvores donde se extrai a borracha... – respondera.
Houve risinhos nas mesas do lado e por fim o Matos -assim se chamava o fumador – pusera-lhe a mão„o no ombro e piscando o olho aos presentes:
-Oh! Rapazinho, aqui essa tal árvore não se chama assim. Aqui chama-se borracheira. Bo-rra-chei-ra...Ouviu? Deixe lá esses nomes do Mputu, porque caso contrário todos se vão rir de si...
E riram a bom rir.
Depois fizera ainda outra tentativa...
Fora na véspera: quando chegou à sala para tomar o café as mesas estavam já todas ocupadas e ele tivera de sentar-se, numa em que já se encontrava um senhor todo vestido de branco.
Saudara, pedira licença e sentou-se. O criado indígena serviu o café e Eduardo comentou:
-Afinal os negros não são tão selvagens como me diziam lá ...
-Bem se vê que o "menino " acaba de chegar. Se pensa mesmo o que diz, seria melhor ter ficado na sua terrinha e dar de vez em quando umas esmolinhas para os pretinhos das Missões...Sempre aparece por cá cada um!...
Apesar do açúcar que tinha posto na chávena, Eduardo sentira um gosto amargo na boca. Levantou-se e deixou o senhor de branco a comentar o caso com os hóspedes da mesa do lado.
Daí por diante, jurou nunca mais entabular conversa fosse com quem fosse. Esperaria pelo primo e então poderia falar à vontade sem temer ser ridicularizado.
(I I)

Eduardo saiu debaixo do chuveiro e procurou na mala um frasco de álcool. Esfregou o corpo dorido, vestiu-se e resolveu sair. O Sol escaldava já .
O Hotel situava-se à beira da estrada e à passagem dos carros, uma nuvem de pó vermelho, impregnava tudo e todos.
Eduardo seguiu pela avenida ladeada de coqueiros e palmeiras, cruzando-se com os indígenas que se dirigiam para o trabalho. Não compreendia a língua que falavam, mas pelos olhares que lhe dirigiam e pelos gestos que faziam, percebia que falavam dele.
Um grupo de soldados nativos comandados por um oficial branco aproximava-se e ele parou. Parou a admirar a farda que lhe fez lembrar os soldados do Museu do Bussaco!
Um...dois...um dois...
A tropa é igual em todo o Mundo. Sobretudo no que diz respeito aos soldados, que apenas obedecem. Os soldados são números. Também ele já o fora...
Um...dois...um...dois...esquerda, direita...
A princípio custara a habituar-se. Depois fazia como os outros. Por obrigação por imposição, ou por tradição, nunca tentou aprofundar a questão. As mulheres pariam e eles tinham a tropa, como diziam lá na terra...
Olhando para o Céu pardacento tentando localizar o avião pelo barulho dos motores, sentiu picadas nos olhos. Esquecera-se dos óculos escuros no quarto e a reverberação do Sol fazia-o chorar.
Estugou o passo. Estava perto do aeródromo e queria assistir à chegada.
Oito dias antes, à mesma hora ele chegava. Momentos antes de o avião tocar a terra, tivera medo. Tivera a impressão o que o velho DC3 roçava na copa das árvores e que iria cair no rio...Mas tinha durado pouco esse momento -um ligeiro estremeção e uma nuvem de poeira vermelha, avisava-o de que tinham aterrado...
O mesmo cenário de hoje: muita gente, muita algazarra. Negros, brancos, mestiços, riam, falavam, discutiam, enquanto, pachorrento, o avião viera imobilizar-se junto à casa térrea, coberta de zinco que servia de aerogare.
E enquanto a nuvem vermelha envolvia ainda a pista de terra batida, os passageiros começavam a descer, ao mesmo tempo que do bojo do aparelho saíam caixas de produtos víveres à mistura com sacos do correio.
Eduardo assistia a um dos acontecimentos mais importantes da pequena vila.
Situada no interior do País, envolvida por densa floresta tropical, era o avião que trazia aos seus habitantes, especialmente aos brancos, todos os oito dias, um pouco das suas terras distantes. Não só as noticias como também víveres frescos, eram esperados com ansiedade todas as quintas-feiras. Por isso, todos aqueles a quem os seus afazeres permitiam, se reuniam nesse dia no aeródromo.
Os indígenas compartilhavam também essa euforia, uns atraídos pelo espectáculo sempre novo para eles, outros obrigados pelo desempenho das suas funções.
Havia também aqueles que chegavam e os que partiam. Os primeiros, esperançados numa vida melhor, mas de olhar triste a denunciarem as saudades mal contidas da terra que deixaram. Os que partiam levavam estampado no rosto, numa amálgama de saudade e orgulho, uma expressão de vitória e bem-estar.
Camionetas já carregadas de caixas, dirigiam-se ao centro da Vila e a multidão começava a dispersar, enquanto o avião desaparecia lá ao longe. Ao fundo da pista a coluna de fumo que servira ao piloto para saber a direcção do vento, morria em espirais hesitantes...

I I I

Deitou-se depois do almoço e embrutecido pela comida que ingerira e pelo calor, adormeceu. Mas pouco depois acordara com a sensação de que alguém batera à porta. E se fosse ela?... Adormeceu de novo e foi um sono agitado e cheio de pesadelos. Acordou obcecado pelo desejo insatisfeito, que lhe enchia a cabeça de cenas eróticas e que lhe exacerbavam ainda mais os sentidos. E assim passou horas...Depois, não podendo resistir mais, dera-se o inevitável. E então, como uma criança apanhada em falta, sentiu-se corar, mas uma sensação de alívio físico, compensava-lhe a culpabilidade que sentira. E dormiu, dormiu...
Uma tosse intermitente e pegajosa acordou-o. O Sol entrava pela janela de que ele fechara apenas as portadas de rede. Olhou o relógio. Seis da manhã! Parecia impossível que tivesse dormido tantas horas seguidas.
E a tosse recomeçou, como uivos de animal ferido. Uísque, cigarros, hospital...Era ele. Era o velho... E de novo os pensamentos da véspera começaram a querer germinar no seu cérebro, espicaçados pela juventude e pelo clima.
Levantou-se, deixou correr a água do chuveiro pelo corpo gorduroso da transpiração e sentiu-se mais calmo. Vestiu-se e dirigiu-se à sala…
- Bom dia Sr. Edmundo! Espero que não tenha estado doente. Como ontem não veio jantar... A tosse de meu marido incomodou-o?
- Adormeci, D.Maria. Não, não ouvi a tosse de seu marido...
E ali estava ele de novo, sem saber o que dizer, como que hipnotizado, olhando aqueles seios que ameaçavam rebentar a blusa de renda.
- Não se esqueça do quinino. É preciso tomá -lo com regularidade. Se o não tiver, é pedir ao criado. E cautela também com o Sol.
A princípio é preciso ter cuidado. Está tão vermelho! Não terá febre?
- Febre? Penso que...
Não acabou a frase. D. Maria corria para o quarto donde tinha vindo um ruído como o de um corpo que cai.
- Lá morreu o velho! - Pensou para consigo. Olhou para o lado e só então viu um homem sentado numa mesa que lhe sorria mostrando uns dentes negros de tabaco. Mal sucedido que fora sempre que tentara meter conversa com estranhos, Edmundo esboçou um sorriso tímido e começou a mexer o açúcar que se empastara no fundo da chávena.
- Chegou há pouco da metrópole, não?...perguntou o desconhecido.
- Há oito dias, respondeu a medo.
- Como eu o lamento por ter vindo para tais terras!...Quando veio tinha também mais ou menos a sua idade. Vim para arranjar uns tostões e ir-me embora. Trazia a cabeça cheia de projectos e a alma cheia de esperanças. Depois a pouco e pouco comecei a sentir uma transformação dentro de mim... E comecei a mudar. Como as cobras que mudam de pele... A vida no mato, o isolamento, o clima...tudo!
O homem calou-se e Edmundo que virara a cadeira para lhe fazer frente, viu a comoção transfigurar-lhe o rosto.
-É verdade, meu amigo. Como as cobras eu também mudei de pele. Os projectos e a esperança que trazia, foram-se com ela. Há quarenta anos que vim e não mais voltei. Nem volto. Na minha idade...Olhe aí o Pereira! Está arrumado. Os médicos bem lhe dizem para deixar o tabaco e o álcool. É as deixas!... E talvez tenha razão...
- Senhor Costa, depressa, vá chamar o médico. Meu marido caiu e perdeu os sentidos. Não consigo reanimá -lo.
Edmundo levantou-se, quis oferecer os seus préstimos, mas já D. Maria tinha desaparecido. Veio até à porta e viu uma camioneta que desaparecia na curva da estrada em direcção ao Hospital.

I V
Acendeu um cigarro e deixou-se ficar a contemplar o movimento da rua.
As lojas começavam a abrir e os indígenas em grupo entravam e saíam com o ar despreocupado que os caracteriza. Um toque de clarim e lá ao longe por entre o arvoredo, uma bandeira subia preguiçosas mente para o topo do mastro. O silvo estridente duma sirene, anunciava a partida de um barco, lá em baixo no rio. Duas freiras passavam de bicicleta, conversando alegremente...
Envolta numa nuvem de poeira, a camioneta imobilizou-se em frente … porta do Hotel. Um homem com uma pequena maleta desceu e numa saudação apressada à intenção de Edmundo, desapareceu no corredor sombrio.
O Costa tentava com um pau conservar levantadas as latas que cobriam o motor, de onde saia uma nuvem de fumo branco...
- Este estafermo, está como eu: ao mais pequeno esforço, põe-se a ferver por todos os lados. Quem andou não está para andar, é bem verdade. Bebe água que nem um camelo. Precisava de uma reparação, mas como o trabalho não é muito, lá se vai aguentando...
Eu moro aqui a uns vinte quilómetros e quando venho até à vila, vejo-me obrigado a parar várias vezes para lhe matar a sede. O que vale ‚ que neste País há água por todos os lados...
- Vive só?
- Quase. Ou melhor: vivo com o outro, mas só de vez em quando.
- Não compreendo...
- Não admira. É difícil na sua idade compreender certas coisas. Vivo só com o homem que sou agora. Mas de quando em vez, o homem que fui outrora vem fazer-me companhia...
É a tal história das cobras que mudam de pele e deixam bocados agarrados as pedras por onde passam. Apareça um dia destes lá pelo meu acampamento. Quase sempre há amigos que me visitam depois do trabalho, por volta das cinco. É o passeio dos tristes. Bebem-se uns uísques, conversa-se um pouco, enfim, muda-se de ambiente...
Ou fingimos mudar. Como diz o Vanderbilt, com o seu inimitável sotaque: C'est la vie!
O médico saia acompanhado de D. Maria.
- Então, Doutor, como vai o doente?
Foi D. Maria quem respondeu:
- Um pouco melhor, Sr. Costa, obrigada.
E o médico em reforço:
- Ainda não é desta que ele vai ver o S. Pedro. Velha cepa, Costa, velha cepa...Se todos fossem da têmpera dele havia poucas viúvas.
E todos riram menos Edmundo.
E então, depois de o ouvir em silêncio o Costa falou:
-Não tenho filhos e sem querer usurpar o lugar de seu Pai, tomarei conta de si até que a sua vida tome o rumo que as suas palavras mostraram que queria dar-lhe.
Os meus sessenta e sete anos, se não me trouxeram dinheiro, deram-me em compensação uma grande experiência da vida e um conhecimento bastante grande dos homens. Leio muito. Observo as pessoas e tento descobrir o que vai lá por dentro. É raro enganar-me. Criticam-me por nunca mais ter voltado a Portugal. Chamam-me até, como há-de ter ocasião de ouvir, filósofo!
Porém eu tenho as minhas razões que mais tarde conhecerá e que com certeza me vai dar razão. Por agora quero apenas que saiba que estou a seu lado. E nada de desânimos. Amanhã depois do funeral de seu primo, teremos ainda tempo de ver umas coisas na Administração e depois iremos até Bokala, para ver como as coisas se hão-de resolver.
Em qualquer dos casos falarei já amanhã com o Alvernaz e com certeza você terá na casa dele um emprego... e na minha um amigo às suas ordens.
V
O cemitério!... Será mesmo?... Uma faixa de terra delimitada por um pequeno muro, varias cruzes, algumas invisíveis no meio de altas ervas, aqui e além uma lápide partida com um nome ilegível, era o cenário que se deparava às pessoas que tinham ido acompanhar o António dos Santos à sua última morada.
Não se viam lágrimas, mas o Sol escaldante fazia brotar dos rostos tisnados, grossas gotas de água que se transformavam em manchas húmidas, nas camisas brancas dos homens.
Eduardo sentia a camisa colada ao corpo e arrependia-se de não ter aceitado os conselhos do Costa, que o aconselhara a não trazer o casaco Mas achara que era uma falta de respeito para com o morto e afinal estavam todos em mangas de camisa e sem gravata. E agora não só o calor, como também os olhares curiosos dos circunstantes lhe davam uma sensação de náusea e de desgosto. As gentes, os costumes, tudo era diferente...
- Como as cobras que mudam de pele – dissera-lhe o Costa.
Um camião passou na estrada ao lado e o padre interrompeu a oração fúnebre, aproveitando para limpar o rosto. Uma nuvem de poeira vermelha pairava no ar e ia descendo lentamente envolvendo-os a todos.
- Memento homo... – dizia o padre.
O Costa tocou-lhe no braço e ele lá foi lançar um punhado de terra no buraco rectangular. Outros se lhe seguiram e por fim a pá fez o resto.
Ao acordar, a primeira impressão que teve, foi a de que um incêndio lavrava a poucos metros do quarto.
Levantou-se apavorado, afastou as cortinas das janelas e o clarão vermelho do Sol que nascia, dissipou o temor que sentira.
Espectáculo deslumbrante!
Da terra que ele começava a aquecer, erguia-se uma nuvem branca que ao subir roçava pelas folhas dos cafezeiros ainda adormecidos, numa carícia húmida e criadora.
E o disco vermelho rompia hesitante por entre nuvens de cores variadas, desenhando figuras fantasmagóricas a que os olhos ensonados de Eduardo davam vida.
Numa explosão de cores, o horizonte ardia. Um fogo vivificante envolvia a Natureza, acordando-a.
A chaminé dum barco fundeado no rio começou a vomitar fumo negro. E em espirais majestosas ele subia no azul do céu, misturando-se depois com a neblina da manhã. O dia despertava com bocejos cacofónicos. E lá ao longe, o Sol continuava a subir, despindo a pouco e pouco os farrapos de nuvens que o envolviam.
Eduardo sentia a cabeça vazia e a boca seca. Deitara-se tarde. Fumara muito e bebera ainda mais. Os acontecimentos da véspera passavam-lhe pela mente como lembranças dum sonho que se quer esquecer.
O carro abraçado à árvore, aquele bocado de relva tingido de sangue e um corpo humano trucidado, embrulhado num cobertor...
E se tudo aquilo não passasse dum sonho? Mas não! Não tinha sido um simples sonho e ele ali estava só!
Só?... E o Costa? O Costa que sem quase o conhecer o trouxera, o acarinhara, o aconselhara e que até lhe dissera que lhe arranjava emprego?...Como um Pai. Um Pai?... Mais do que isso... Se o seu verdadeiro pai até o tinha escorraçado...Como gostaria que o pai lhe tivesse dito palavras como aquelas que tinha ouvido na véspera!
Pouco falaram durante a viagem. Só nas paragens que tiveram de fazer para " dar de beber ao estafermo ", o silêncio fora quebrado.
Quando chegaram, o criado pusera mais um prato na mesa e ele comeu com apetite. E bebera também. Depois conversaram até altas horas da noite.
Eduardo contou as razões que o fizeram emigrar e durante horas o Costa escutou sem interrupção.
Pela primeira vez na vida, como num desabafo, ele confiou a alguém o que durante anos guardara como um segredo dentro de si. E pela primeira vez sentiu um bem-estar íntimo que nunca experimentara – a certeza de que alguém o compreendia...
Segunda-feira, Setembro 06, 2010
VI
Uma multidão de indígenas com as caras sujas de lama e quase nus, dançavam e gritavam à volta duma mulher que se rebolava no chão como endemoninhada
Quatro homens com os rostos zebrados de tinta azul e branca, um tufo de ervas secas a tentar esconder-lhes o sexo, batiam freneticamente em tantãs fazendo-se acompanhar por dois petizes que faziam tinir duas garrafas com o auxílio de duas colheres.
O som lúgubre do conjunto juntava-se aos gritos estridentes da multidão que em contorções grotescas mas cadenciadas, exprimia assim o seu pesar.
Um velho esquelético e desdentado empunhando uma espécie de trombeta feita do chifre de um veado, avançou por entre aquela gente ululante dirigindo-se ao centro do círculo.
Parou, levou o instrumento à boca e soprou: o som saiu com toda a nudez da sua origem e um silêncio eivado de ruídos sinistros envolveu a cena.
Os indígenas que rodeavam a mulher afastaram-se e ela levantou-se e de mãos estendidas, dirigiu-se a Eduardo...
O Costa que assistia impassível ao desenrolar dos acontecimentos apercebeu-se da sua ligeira hesitação e falou:
-Não tenha receio. Ela considera-o como fazendo parte da família e você tem de se portar como tal. Ela vivia há muito com seu primo. E uma boa mulher...
O seu primo teve uma boa situação. Nessa altura não lhe faltavam as mulheres brancas. Mas foram-se com o dinheiro. E depois esta apareceu e ficou. Mesmo sem dinheiro!
O carro ainda o não tinha pago completamente. Foi o seu canto de cisne!...
-Então e como pensa que se vão resolver as coisas?
-Não há nada a resolver pelo nosso lado. A administração se encarregara disso. A esta hora já os credores devem vir a caminho. São os amigos de outrora – os abutres. Aqui nesta terra o pior inimigo do homem depois do mosquito, é o próprio homem.
E os amigos de outrora vieram e levaram tudo. Menos a preta porque era velha...

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PASSADO E PRESENTE

Por mais triste e ingrato que tenha sido o nosso passado, ninguém, apesar disso, o poderá desprezar ou esquecer. E isso porque além de ele constituir o alicerce do presente contribuiu também de forma decisiva e determinante para a formação da nossa identidade pessoal.
As nossas penas e as nossas alegrias dependem muitas vezes de comparações que fazemos entre os dois. E, quase sempre, as alegrias do presente fazem esquecer as penas por que passámos. Com uma lágrima de vez em quando, confesso!...
Mas por mais esforço que façamos para o esconder, há sempre, dentro de nós, um pouco do passado, um pouco da criança que fomos. Há sempre um sorriso esquecido, um sorriso que não cresceu, um sorriso que ficou menino. Há sempre dentro de nós um petiz sensível que bate palmas ao seu herói preferido, embora o faça quase sempre em silêncio, não vá o montão de anos desabar e fazer com que o sonho acabe!
O mundo está perigoso. E hoje, talvez "contaminado" por esta onda avassaladora de insegurança e medo, enojado por todo este vedetismo saloio, por este snobismo sem limites, assistindo impotente a todos estes desmandos e a todo este conjunto de males que devoram o humanismo, apetece-me me sonhar...
E regresso à rua da minha infância. E recordo os putos de outrora e os jogos: o do pião, o da bilharda, o da cabra-cega, o do lencinho, o dos pinhões (par ou pernão?...), o do botão, o da malha, o da macaca...
O chiar dos carros de bois, o cheiro da terra, do estrume, o som dos socos nas pedras da calçada cobertas de gelo no Inverno, as noites longas à luz de petróleo, à luz da vela... A lareira com as panelas de ferro de três pés e, lá dentro, a fumegar, o caldo inigualável de minha Mãe...
A Primavera com o seu manto verde, as orvalhadas matinais, as ladainhas, o cheiro das primeiras rosas, o chilrear da passarada, os ninhos... O Verão com as noites quentes, os banhos nos açudes e nas "poças", as regas, a azáfama das colheitas, as desfolhadas... No Outono as vindimas, o cheiro do mosto vindo do tanque da adega onde fermentavam os cachos...
Mas... qual silhueta de barco distante que navega no mar da minha existência e que vai desaparecendo lá no horizonte, também o sonho se desfaz e a realidade bate à porta!
E eis-me de novo nesta sociedade de consumo e de competição desmedida onde o capitalismo selvagem, o egoísmo, a falta de escrúpulos e um pragmatismo tecnocrático dominante, favorecem cada vez mais as classes ricas e fazem aumentar em cada instante que passa, os pobres e os excluídos. Quanto a velhos, eles são já tantos que começa a não haver lugar onde os “depositar”!...
Segundo uma reportagem de há dias, num jornal diário, são já cinquenta e dois mil os que vivem em lares de idosos. E há listas de espera…Se a estatística incluísse todos os que vivem em suas casas com carências de toda a espécie, estou convencido que esse número quadruplicaria.