quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

LIÇÕES

Participei, como voluntário, e pela segunda vez, na campanha de recolha de alimentos promovida pelo Banco Alimentar Contra a Fome.
É uma experiência enriquecedora. Pude, durante essas horas, confirmar e reforçar a ideia que tinha acerca da generosidade do nosso Povo!
É comovente presenciar alguns casos, e é com um certo incómodo e até com uma espécie de sentimento de vergonha interior que assistimos a gestos de altruísmo de pessoas que não conseguem disfarçar a limitação dos seus recursos, e que nos dão lições de solidariedade partilhando o pouco que têm com aqueles que nada possuem!
É inegável que vivemos momentos complicados. Momentos terríveis. Momentos de incertezas, de angústias, momentos de crise…
Mas, apesar disso, de onde vem esta capacidade de ser solidário, este sentimento de partilha que envolve toda esta gente e a leva a repartir parte dos poucos recursos que tem com os mais necessitados?
O que representará como privação e sacrifício para aquela velhinha o facto de abdicar de uma lata de atum, das três que comprou, e que depositou no carrinho da recolha de donativos?
E que lição tirar do gesto daquele idoso, vergado pelos anos, aparentando uma vivência pouco desafogada, entregando um pacote de arroz, e desculpar-se a seguir, como que culpado de qualquer crime cometido, por não poder dar mais?
São estes e outros exemplos que nos fazem meditar e que nos levam a concluir que, afinal, não somos aquilo que deveríamos ser e que muitas vezes, o nosso altruísmo não passa de um mero gesto de hipocrisia à intenção dos que nos rodeiam.
São estes e outros exemplos que nos mostram que não precisamos de ter muito para dar, e que muitas vezes vivemos apenas para fora, aparentando qualidades e dons que não possuímos.
Quantas vezes, talvez por egoísmo, não demos, não proporcionámos um momento feliz ou não partilhámos um pouco daquilo que nos tinha sobrado?
Não é possível ser feliz quando, ao nosso lado, estão aqueles que o não são. Todos têm direito ao bem e só a felicidade partilhada é fonte de festa e de alegria.
O verdadeiro amor está no facto de dar o que se não tem. E foi isso que muitas vezes me foi mostrado, nesse dia, ao longo das horas em que fazia o meu voluntariado.
Por mais anos que vivamos, a Vida está constantemente a dar-nos ensinamentos e a mostrar-nos que temos sempre muito que aprender.
Quando pensávamos que tudo ou quase tudo sabíamos, ela faz-nos descobrir outras realidades, outros mundos que desconhecíamos e que nos surpreendem!
E daí estes pequenos gestos com grande lições de fraternidade, de entreajuda, de entrega, de partilha e de verdadeiro amor para com o nosso semelhante.
Que belas e marcantes lições dessas gentes de pequenos recursos, talvez de cultura rudimentar, mas de tão grandes corações!








sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

QUE PORTUGAL?!...


Quando, há dias, passeava numa das nossas cidades, fui atraído pelas inscrições multicolores num muro de um prédio que parecia já desabitado.
Aproximei-me mais e, no meio de desenhos pornográficos, de frases obscenas, de "morras" a isto e àquilo, de insinuações injuriosas e partidárias, de elogios e depreciações futebolísticas, duas palavras em letras gordas e pintadas a tinta vermelha, descaradamente, como de uma provocação se tratasse, se destacavam: VIVA PORTUGAL!
Talvez porque nesse dia a minha sensibilidade estivesse mais susceptível, confesso que me senti constrangido perante aquela explosão de patriotismo rodeada de tão nojenta promiscuidade. E então, intimamente, comecei de me interrogar...
Mas que Portugal?!... E qual deles? O verdadeiro, o da "Lei e da Grei" ou o actual, o da balbúrdia, o da sede insaciável dos lucros, o dos interesses individuais, o materialista e o das injustiças? Sim, qual deles?!... O do politicamente correcto ou o do socialmente hipócrita?
É natural que para muitos tal facto não tivesse despertado qualquer sentimento de repulsa.
E é também compreensível que esta onda de contra-civilização que alastra assustadoramente de Norte a Sul lhes pareça normal!...
Sem padrões de referência que lhes permitam fazer comparações, há por aí muito boa gente a pensar que todas essas manifestações e abusos são o complemento directo daquela liberdade que germinou após a revolução dos cravos...
É verdade. Há hoje por aí muitos que continuam a pensar que hoje tudo é permitido, que o baile nunca mais acaba e que o dinheiro para músicos e para fardamentos novos não se esgota!...
Aqui há tempos alguém me acusava de saudosista, velho e rabugento. As tais acusações daqueles que, com horizontes bastante limitados e vista curta, não enxergam para além do umbigo. Feitios!...
No entanto e apesar de os Invernos já serem bastantes, continuo ainda (graças a Deus!) a conhecer bem a diferença entre saudosismo e educação. E também a saber ocupar o meu lugar e distinguir rabugice de pertinência.
Quer isto dizer que sei ainda fazer a destrinça entre os dois Países em que vivemos.
Isto é: entre o País educado, erudito tradicional e respeitador onde parece mal arrotar, e o País dos interesses, das hipocrisias dos novos-ricos, inculto e mal-educado, onde toda a gente se entende mesmo quando arrota...
E foi por isso que aquele VIVA PORTUGAL não me "caiu" bem.





PRIVACIDADES


O que poderá vir a acontecer no futuro, quanto à violação da nossa vida privada?
Computadores, Internet, telemóveis, câmaras de filmar e microfones sofisticados e escondidos – não serão esses "prodígios da ciência" que amanhã poderão fazer com que a nossa intimidade seja posta a nu?!...
Não estará o homem, – cada vez mais preocupado em aperfeiçoar esses objectos de comunicação – a contribuir para que a nossa vida particular sofra as mais infames violações e que no futuro sejamos condenados a uma "transparência" pouco séria e honesta?!
Acho que vale a pena fazer uma pequena meditação!...
É que, com o aperfeiçoamento contínuo desse "aparelhos de espionagem" não restam dúvidas de que, a passos de gigante, começamos a integrar-nos numa nova sociedade – uma sociedade traiçoeira, vivendo em liberdade, mas onde somos permanentemente vigiados por esses "brinquedos" dos quais muitos de nós já não podemos separar-nos.
As fronteiras da vida privada e da confidencialidade são cada vez mais permeáveis à invasão desses "objectos" que, embora identificados, ainda não se sabe até que ponto podem afectar a vida de cada um de nós.
O que é certo é que vivemos numa espécie de casa de vidro, em liberdade vigiada, mas sob o controlo permanente de um olho mágico, que espreita sem sabermos de onde, nem quando.
São as contrapartidas que somos obrigados a pagar em troca das vantagens e do conforto que as novas tecnologias nos proporcionam!
E inebriados com tanta maravilha, quase sem darmos conta, abdicámos de uma grande parte da nossa intimidade e da nossa independência!
Nos restaurantes, nos supermercados nas portagens por onde passamos e onde pagamos com o nosso cartão bancário, ali deixamos registada a nossa passagem, expondo dessa maneira um pouco da nossa privacidade.
Ninguém nos garante que um dia, propositado ou não, esses dados sejam coligidos e as informações obtidas, utilizadas fora do seu verdadeiro contexto...
«A liberdade é impossível numa sociedade que se recusa a aceitar o facto de que cada um de nós age de maneira diferente em privado e em público. Obrigando os cidadãos a viver numa casa de vidro, sem cortinas, as sociedades totalitárias negam a sua intimidade aos seres humanos e transformam-nos em objectos» – como escreve Milan Kundera no seu livro ’A Insustentável Leveza do Ser’.
Um programa que está a ser transmitido por um dos nossos canais televisivos e que é uma versão mais moderna de um outro exibido há anos, dá-nos uma ideia, embora esbatida, do que nos poderá esperar no futuro
Tudo isto me leva a crer que o futuro do homem do século XXI será tecnologicamente civilizado. Mas humanamente bárbaro.





A VIDA


A Vida, no seu mais simples e real significado, é uma história que encerra muitas outras histórias. E a vida de cada um de nós tem as suas.
E, como num livro, os capítulos sucedem-se e a acção desenrola-se aguçando a nossa curiosidade, mas escondendo sempre, de forma ardilosa, o desfecho final!
E felizmente que assim é!...
Alegrias, tristezas, esperanças, fracassos, enganos, desenganos, vaidades e desânimos, são pedaços de romance que desfilam e ladeiam a nossa existência sem, contudo, forneceram qualquer indício quanto ao seu epílogo.
E assim, – uns guiados por essa luz da esperança que é a Fé, outros pelo fascínio do desconhecido que os atrai – lá vamos todos, e cada qual à sua maneira, folheando o livro, página após página, sem nunca sabermos como, nem quando chegamos ao fim...
Os que lêem as minhas crónicas devem admirar-se desta minha insistência neste tema que é a Vida – a passagem por este mundo. Acredito até que muitos possam crer que tal facto se deve à decrepitude, a uma senilidade galopante. Pouco importa. Mas a vida fascina-me apesar de todos os encantos, desencantos, rasteiras e trambolhões, que tive de transpor. E isso talvez por só agora começar a gozá-la em toda a sua plenitude e sem paixões – nas cores, nos odores, nos olhares, nas pessoas, nas coisas e em tudo o que me rodeia!
Como um apaixonado, sofregamente, eu “respiro-a” e tento conservar dentro de mim, por tempo infinito, essa lufada de esperança que me enche a alma.
É sempre difícil, quando fazemos da escrita uma confissão, escondermos o que vai dentro de nós. Ser sensível é uma outra maneira de compartilhar da tristeza dos outros. Fazer o papel da esfinge de pedra que não ri, que não chora, que não se emociona é, em certos momentos, uma outra forma de hipocrisia.
O sentimento é a música do nosso mundo interior que faz parte integrante do nosso eu. Quando exteriorizado com dignidade, sem vergonha e sem fingimentos, ele é, conjuntamente com o pensamento, a expressão da nossa verdade.
E é por isso que eu canto a vida, todas as manhãs, cedo, quando abro a janela do meu quarto e assisto ao espreguiçar do dia. É mais um, murmuro baixinho...
Todos nós dizemos saber que temos de morrer um dia. Mas se dizer que sabemos, é tarefa fácil, convencermo-nos disso e aceitá-lo sem temor e sem reservas... isso é que é mais difícil!
Entretanto e como nada pode parar os ponteiros do relógio da vida, aproveitemo-la da melhor maneira.
E para aqueles que acreditam que há Vida para além da morte, uma das condições essenciais para ter direito a essa dádiva divina, é tentar seguir o caminho certo, que é, como disse o poeta, abrindo aos outros o nosso jardim: oferecer aos outros as flores das nossas capacidades e valores.









ORIGENS

Também assisti ao degradante espectáculo em que se tornou o debate sobre a aprovação do Orçamento. E fiquei triste. E envergonhado. E revoltado… Foi com estes políticos, irresponsáveis, sem educação, sem sentido de Estado, que chegamos a esta triste e vergonhosa situação em que nos encontramos!
Apesar de já ter lido várias versões acerca das nossas origens, eu continuo a acreditar na minha. Isto é, continuo a partilhar aquela que diz que somos descendentes de tribos de homens violentos que se empoleiravam nos cumes dos montes e que soltando grunhidos selvagens corriam à pedrada os intrusos que tentavam apossar-se das suas terras…
Depois, mais afoitos, descemos dos refúgios, aventurámo-nos e, sem medo, à rédea solta, lançámo-nos no desconhecido.
E sobre cascas de noz entrámos mares adentro, enfrentámos ondas alterosas, matámos gigantes marinhos, resistimos a doenças inimagináveis e guiados pelas estrelas continuámos vogando, subindo e descendo, à mercê das correntes e das marés…
Fizemos frente aos mais variados perigos, e diz a lenda, que à falta de mantimentos, fomos até obrigados a comer a sola das sandálias, mas que apesar de tudo isso acabámos sempre por pôr pé em terreno enxuto.
E descobrimos terras que ninguém conhecia. E travámos lutas titânicas. E convertemos ímpios e renegados. E domámos povos selvagens, subornámos régulos, e tornámo-nos os maiores do Mundo!
E fomos ao mesmo tempo mestres na navegação, conquistadores imbatíveis, temidos piratas, heróis consagrados, aventureiros, sonhadores e alguns até conseguiram uma auréola… e chegaram a santos!
Fomos depois evoluindo através dos séculos e de trambolhão em trambolhão, cai aqui, levanta acolá, ora ricos, ora pobres, lá nos aguentámos. Mas depois de tantos tombos e de tantos pecados termos cometido, a justiça divina – que não dorme!... – transformou-nos naquilo que somos hoje – uma espécie de irmandade de hipócritas, de fingidos, de vaidosos, de incompetentes, de mentirosos… e de acomodados – batemos palmas em público ao mandante que veio reinaugurar uns quilómetros de asfalto e depois em casa, rodeados pela família, janelas fechadas, chinelas nos pés, chamamos-lhe os piores nomes….
Dizem as estatísticas que ocupamos os primeiros lugares em pobreza, no consumo de álcool, em acidentes na estrada, na corrupção e em esbanjamento de dinheiros. Bagatelas. Tudo bagatelas!...
Reflictam um pouco no que viram e ouviram neste debate sobre a aprovação do Orçamento e digam lá se não é verdade que somos, de facto, os descendentes de tribos de homens violentos que se empoleiravam nos cumes dos montes e que soltando grunhidos selvagens corriam à pedrada os intrusos que tentavam apossar-se das suas terras…
Só que, agora, em vez de terras, é de tachos que se trata.