quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TUDO MUDOU AVÔ!...


Numa fotografia de família já muito antiga que encima uma das estantes do meu escritório, pontifica meu avô materno – um homem corpulento, nariz aquilino, fartas barbas compridas e grisalhas e sorriso nos lábios. Ele foi, a certa altura da minha meninice, o meu ídolo – o homem que sabia tudo!
Contador incansável de histórias, era sobretudo ao Brasil, onde tinha estado emigrado uns anos, que ia buscar todos os "ingredientes" necessários para engendrar uma história que quase sempre terminava numa narração fantasiosa e anedótica.
Homem curtido pela vida, amante da ruralidade, de trato afável, humilde e brincalhão, era por isso muito conhecido e estimado na aldeia.
Porém, muito apegado à tradição e aos costumes dos seus antepassados, era avesso a tudo que cheirasse a modernidade. Um dia quando cortávamos peras para secar, meu avô fez um pequeno golpe num dedo, e o sangue não tardou a jorrar. Calmamente, tirou o seu lenço vermelho do bolso, – o tabaqueiro, como se chamava – limpou com ele a ferida e não deixando que fossemos buscar o desinfectante da época – a tintura de iodo logo aplicou no golpe o seu hemostático preferido – a cinza do seu cigarro e uma mortalha do mesmo a servir de adesivo!
Era alérgico a pílulas, a pós, ou a líquidos vindos do boticário. A Natureza, – dizia ele – era a sua farmácia. Mais eficaz e mais barata...
Se meu avô Ezequiel pudesse hoje vir ver a sua aldeia e verificar toda esta evolução e progresso, ficaria de boca aberta diante de tudo o que se tem inventado. Mas creio que seria ainda maior a sua surpresa diante de nós mesmos... «Por que razão, – pensaria ele – dispondo de todos os instrumentos, os mais incríveis e aperfeiçoados para a conquista do bem-estar e da felicidade, toda esta gente se mostra tão desesperadamente vazia de confiança na vida e neles próprios?!...
«Que aconteceu ao homem que desbravou terras, desviou rios, amanhou penhascos, tudo com os seus próprios braços, sem a ajuda de quaisquer máquinas? Que é feito daquela alegria, daquela confiança de antanho, com que ele experimentava a força do seu braço contra os poderes da adversidade?...»
É verdade avô! Setenta e três anos é muito tempo!... Tudo mudou. Os tempos e os homens...
A coragem dos nossos antepassados tinha a sua origem numa aceitação serena do êxito e do fracasso, das atribulações e das venturas, como se elas constituíssem a ordem natural das coisas à qual o homem se devesse conformar, contando apenas com Deus e com a sua própria firmeza interior – a Fé. O que realmente lhes importava não eram os números nem a própria fortuna, mas sim a maneira como suportavam essa prova e mostravam a fibra de que eram feitos.
Seremos capazes de recuperar essa jovialidade, essa aceitação cordial do preço da fortuna que dava aos nossos antepassados a coragem não só de suportar a adversidade, mas de suportá-la com brio e galhardia?
Tenho muitas dúvidas.



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