sábado, 22 de janeiro de 2011

ATCHIM!...

Era segunda-feira. Chovia e ventava. Abri o chapéu, e partiu-se uma vareta. Caíram-me uns pingos no nariz. Os óculos embaciaram-se. Paro. Limpo-os com o lenço e continuo o caminho. Passou um automóvel e os borrifos da água que a sarjeta não engoliu por ter a boca tapada, encharcaram-me as calças.
Um banho gratuito. E frio. Instintivamente, e ao sentir as pernas molhadas, não contive um palavrão.
O jovem condutor deve ter ouvido, porque, sorridente, mo devolveu traduzido naquele gesto dos três dedos: um estendido e os outros dois dobrados, que é bem conhecido de todos!
Um grupo de alunos, rapazes e raparigas, de regresso das aulas, presenciava a cena:
- «Então velhote, uma banhoca de borla…» – disse, sorrindo, uma das raparigas.
Risota geral. E eu também achei graça à espontaneidade da menina de calça de ganga, ténis desapertados e cabelo desgrenhado. É assim esta nossa juventude de hoje – desinibida e irreverente por fora e por dentro!
E lá continuei o caminho pensativo. Quando passava em frente do monumento ao Soldado Desconhecido, tive a sensação de que ele, lá do alto do seu pedestal, me piscou o olho numa cumplicidade brônzea e fria como as minhas pernas. Coisas de velho. Uma estátua a ter sentimentos!...
De repente, lobrigo ao longe alguém conhecido, mas que ao avistar-me, faz de conta que não me vê, e muda de passeio. E ainda bem, porque também não estava com grande disposição para conversas. Tanto mais que é um daqueles sujeitos que de nada mais sabe falar que não seja de política. E como eu detesto ciências ocultas…
O vento aumentou de intensidade e ainda bem, porque a continuar assim, era uma vez um guarda-chuva. Entretanto, cheguei. Ena pá!... Que grande fila!
Antigamente, (que raio de palavra esta!...) havia três ou quatro funcionários e não havia “bichas”… Ao ver a minha expressão de surpresa o homem do rabo da fila, – um sujeito simpático, com cara de bon vivant, – sorriu, e falou: «Isto hoje está melhor que na semana passada, patrão! É a terceira vez que tento e tanto tempo espero que acabo por me chatear e vou-me embora…» Levou o cigarro aos lábios aspirou a fumaça duas vezes e continuou: «A minha patroa diz-me p’ra fazer como ela que vai para o Centro de Saúde às quatro da matina p’rá arranjar vez e ter consulta, mas isso de andar de noite como as corujas, não é cá comigo…»
Sorri e concordei. E vi tanta gente à espera, o céu tão cheio de nuvens negras, e o meu guarda-chuva de asa caída que meti a senha no bolso, pus pés a caminho e regressei a penates. Sem os papéis preenchidos, com os pés molhados, as calças coladas às pernas, mas já a pressentir uma daquelas constipações que nem queiram saber… à… à… Atchim!...








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